Tuesday, February 06, 2007

Tudo por causa do olfacto

Afonso estava numa tasca com o seu primo Miguel, que ia comendo e bebendo alegremente. Afonso, já farto daquele cheiro a tremoços e a cerveja, incitou o primo a irem dar um passeio, sem rumo definido.
“Deves estar a brincar comigo. Os pneus do teu carro cheiram a borracha de terceira categoria, além do raio do cheiro a madeira que infestou o habitáculo do veículo. Já te disse que isso de andares com a Vanessa, noite sim noite não, a comprar o mobiliário todo naquela multinacional sueca, e depois deixares as caixas no carro, não é boa ideia”, transmitiu Miguel.
Afonso sorriu, retorquindo: “vá lá, tenho de pôr gasolina e assim aproveitas para cheirá-la, como tanto gostas. É que aproveitas mesmo, porque hoje vou encher o depósito”.
Miguel esboçou finalmente um sorriso e, quando Afonso estava a atestar o depósito do carro, virou-se para o primo, repentinamente, desafiando-o: “vamos andar de comboio, vamos procurar aquele cheiro a carril de que ambos tanto gostamos. Nem que seja só até ao Entroncamento”.
Acabaram por ir. Partiram de Santa Apolónia a meio da tarde, já com o bilhete de ida e volta comprado, e passaram as viagens na carruagem bar, com o cheiro das bifanas, do gin tónico e dos amendoins bem presentes. Quase tão fortes como o cheiro que adivinhavam vir do exterior da carruagem: do rio Tejo, das flores ainda vivas, do alcatrão mais ou menos cuidado, do fumo dos carros e das fábricas.

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