Sunday, January 09, 2011

Com tranquilidade

Paulo Bento é um dos casos mais fascinantes do futebol português.
Como jogador, fez a sua formação nos pouco agradáveis campos pelados e, já sénior, nunca beneficiou de quaisquer favorecimentos mediáticos, ou por nunca ter tido um corte de cabelo como o de Paulo Sousa, ou porque lhe faltavam a arte e a velocidade que Figo e Rui Costa empregavam no jogo.
Como treinador, acabou por ser uma rábula do Gato Fedorento a catapultá-lo para uma notoriedade que, até então, os seus méritos não tinham permitido alcançar.
Mas, ao contrário do que possa parecer pelo que atrás se escreveu, Paulo Bento não é uma vítima; é um conquistador.
Um ano depois de uns miúdos poucos meses mais novos do que ele se sagrarem campeões do mundo em Riade, entrou para a história do Estrela da Amadora, ao marcar o primeiro golo da sua equipa na final da Taça de Portugal de 1990, contra o Farense. Foi a única Taça conquistada pelo clube.
Fiel aos poucos clubes que representou (Estrela da Amadora, Vitória de Guimarães, Benfica, Oviedo e Sporting), tornou-se um símbolo em todos eles, quase sempre com o estatuto de titular. E só com o emblema do clube espanhol é que não participou nas competições europeias.
Mesmo no dealbar da crise benfiquista, foi titular na conquista do último título do clube no século XX, a Taça de Portugal de 1996, troféu que as águias só voltariam a alcançar oito anos depois.
Depois da experiência espanhola, Paulo Bento regressou a Portugal para voltar a representar o Benfica, mas o clube da Luz esqueceu-se que, mesmo nos clubes do coração, os profissionais devem ser pagos pela mais-valia que representam. O atleta voltou a manifestar uma excelente leitura de jogo e mudou-se para Alvalade, talvez para condizer com o bairro onde cresceu. Aí, jogou na Champions logo em 2000, sagrou-se finalmente campeão português, em 2002, ano em que voltou a ganhar uma Taça de Portugal.
É certo que não foi uma estrela do futebol mundial, mas esteve presente em todas as principais competições internacionais, tanto de clubes como de selecções. Nunca se destacou pelas fintas prodigiosas nem por uma velocidade estonteante, mas sempre revelou uma visão de jogo invulgar e uma alma incontestável na entrega ao jogo, características próprias de quem pensava os jogos enquanto os jogava, como se desempenhasse ao mesmo tempo as funções de treinador.
Não foi de estranhar que, finda a carreira de atleta, abraçasse as funções de treinador. Estreou-se com um título de campeão a comandar os juniores do Sporting e, num momento de crise, transitou para o plantel sénior. Aí, apesar de não ter conseguido conquistar nenhuma Liga, ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças, além de estar presente nas duas primeiras finais da Taça da Liga e em três edições da Liga dos Campeões, o que o clube não conseguia desde os seus tempos de jogador.
Abandonou o Sporting naquela que começava a ser, provavelmente, a maior crise dos últimos 20 anos no clube. Após quase um ano sem treinar, assumiu o comando da Selecção, no momento mais difícil dos últimos 12 anos.
Neste momento, já poucos se lembram de Scolari e quase ninguém quer recordar Queiroz. Paulo Bento, esse, não atira pedras a ninguém. Procura congregar, tendo na retaguarda os adjuntos que o têm acompanhado. E é, entre os treinadores da sua geração (Paulo Sérgio, Domingos Paciência, Rui Vitória, Pedro Caixinha, Pedro Martins), o que melhores resultados tem apresentado.
Nos primeiros embates, contra a Dinamarca (a quem Portugal não tinha ganho no último apuramento) e a Islândia (que derrotou na ilha gelada), teve a sorte de Deco, Simão, Paulo Ferreira e Miguel já terem renunciado à Selecção, mas a verdade é que não inventou nas suas opções.
Convocou o melhor lateral-direito português disponível (João Pereira), apostou num bloco central entrosado (Ricardo Carvalho e Pepe), confirmou que Moutinho, Martins e Nani deveriam ter estado presentes na África do Sul, foi perspicaz ao perceber que Meireles podia voltar a ser um número 6 e fez com que não restassem dúvidas de que Ronaldo também resolve jogos na Selecção.
Antes do jogo particular contra a selecção espanhola, de promoção da candidatura ibérica ao Mundial, Paulo Bento afirmou: “Queremos ser os melhores do mundo”. Mesmo tratando-se de um jogo particular, Portugal goleou os campeões da Europa e do Mundo por 4-0, com uma exibição de gala, inclusivamente a de Bosingwa, que jogou, por necessidades da equipa, na pouco habitual posição de defesa lateral esquerdo.
A conclusão é de que as palavras do actual seleccionador não são mera oratória, porque, dentro do campo, os jogadores têm-se mostrado tão orgulhosos por representar a Selecção como Paulo Bento sempre se mostrou profissional a envergar a camisola de todos os clubes por onde passou.
Paulo Bento nunca se furta a polémicas, mostra pulso firme e, apesar de todas as críticas, adapta sempre as equipas que orienta às características dos seus jogadores e dos adversários.
Ainda que alguma imprensa, por vezes, lembre o seu abandono dos estudos, é um dos treinadores portugueses cujo discurso é mais claro e conciso, tanto para a comunicação social como, pelos resultados que tem alcançado, para os jogadores que orienta.

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