Sunday, December 18, 2011

A

AMÁLIA

Três semanas depois de o Fado ter sido considerado património imaterial da humanidade pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), era de uma assinalável falta de memória iniciar ‘O meu dicionário (pouco) ilustrado’ sem fazer referência a Amália Rodrigues.
Mesmo que não o fosse para a maior parte da população portuguesa, seria sempre para este português que, apesar de algumas viagens inscritas no seu roteiro de vida, insiste em não emigrar, mesmo quando a crise aperta e a esperança num futuro melhor está no nível mais baixo que se pode imaginar (ultimamente, utiliza-se a classificação Lixo – coisas do rating).
Um dos aspectos mais curiosos neste processo é que a decisão de elevar o Fado a património imaterial da humanidade foi tomada em Bali, na Indonésia, país com o qual Portugal manteve um longo diferendo, devido ao desrespeito desse país situado quase nos nossos antípodas pelos direitos do povo de Timor.
Muitas vezes, a conjugação dos opostos resulta numa harmonia inesperada e a roçar a ironia. Talvez por isso, é provável que o gesto de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que decidiu concluir a sua intervenção em Bali chegando um moderno iPhone ao microfone para onde discursava e deixando que a sala ouvisse Amália cantar a tradicional ‘Estranha forma de vida’, fique gravado na nossa memória colectiva durante largos anos.
São precisamente os dois lados antagónicos de Amália que dificilmente farão esquecê-la. Porque, se por um lado era idolatrada e símbolo involuntário de um regime, por outro tinha os seus detractores, não só por razões políticas que não terão sido bem aprofundadas, mas também por ter tido um lote de pecados que todos os seres humanos merecem desfrutar mas que nem todos se disponibilizam para compreender.
Para os que não sabem, não nasci na Mouraria nem em Alfama, mas gosto de Fado desde pequenino, talvez desde a mesma altura em que me lembro de gostar do Benfica. Porque sempre gostei daquele ambiente, sempre apreciei a sonoridade e sempre dei valor às nossas letras, à nossa cultura e à nossa língua.
Sempre gostei e continuo a gostar. Mas só gosto do que é autêntico. Não estou disponível para defender cegamente uma nova geração de fadistas só porque é nova ou só porque criou novas roupagens.
Haverá sempre Amália, Severa e Marceneiro. No momento em que escrevo, ainda há Carlos do Carmo, Ana Moura, Camané e Mariza.
Mas há mais, muitos mais: uns que ganharão o seu lugar ao sol, outros a quem a selecção natural empurrará para a berma da estrada.

ANA

Diz um provérbio português que ‘há mais Marias na terra’. Há um outro que refere que ‘quem nunca pecou, que atire a primeira pedra’. Eu, que tenho um espírito popular q.b., peço aos homens que nunca se envolveram com alguém de nome Ana que se cheguem à frente.
Para que não haja a mais pequena dúvida, convém salientar que uma paixão platónica também serve.
Sim, há os que gostaram de uma Ana e não foram correspondidos. Depois, há alguma Ana que levou uma nega devido às suas borbulhas típicas da adolescência ou a algum excesso de peso. Existe também o lote daquelas Anas a quem se roubou um beijo sem ela estar à espera e de quem logo se fugiu para que uma mão não nos viesse pousar na cara (ou as duas, dependendo da fúria). Pode haver uma Ana que nos massajasse o pescoço enquanto a professora de geografia escrevia no quadro negro que Bucareste é a capital romena e Budapeste é que é a capital da Hungria. Há uma Ana com quem se fez tudo mas que afinal não foi nada. E há aquela Ana com quem não se fez nada mas a quem se deu quase tudo. Ou há uma Ana professora que entra em sonhos menos próprios. Ou então uma Ana que foi o grande amor da nossa vida. Ou ainda uma Ana que foi só amante, ou só colega, ou só empregada de limpeza.
Mas há sempre uma Ana, tem que ter havido sempre uma Ana na nossa vida. Tal como uma Maria, nem que seja apenas o seu segundo nome próprio.
Se for Ana Maria é bingo. Se for Maria Ana, ou é gaguez, ou é mera falta de gosto!

ACHTUNG BABY
Na escolha para a terceira e última palavra começada por A, havia várias hipóteses. É sempre bom quando existem alternativas.
Podia escrever sobre as características do signo Aquário e da enorme capacidade que os jornalistas estagiários têm para fazer horóscopos. Aos que se sentem mais à vontade nesse tipo de trabalho, deixo um conselho: dediquem-se ao humor ou ao negócio imobiliário, que também tem muita graça.
Outras hipóteses eram falar da água e da falta de recursos naturais que começam a assolar o nosso planeta, ou das águias que simbolizam tanto o Benfica, como a Lazio de Roma ou a Albânia, ou ainda dos meses de Abril e Agosto… mas não era a mesma coisa!
Cheguei a pensar dedicar um texto ao Aimar, ao Pablo Aimar, jogador de futebol do Sport Lisboa e Benfica, que é mais do que um jogador e não merece que eu me arrisque a utilizar palavras eventualmente pouco adequadas para a enorme qualidade que apresenta dentro e fora do campo.
Por isso, é com algum atraso (afinal, sou português e um atraso é quase intrínseco) que assinalo os 20 anos sobre o lançamento do Achtung Baby.
Há quem diga que essa obra-prima mudou a forma de se fazer música. Outros dizem que foi o último grande álbum dos U2. Por outro lado, muita gente salienta que foi com o Achtung Baby que começou a gostar da banda irlandesa.
Eu limito-me a dizer que não me recordo de ouvir tantas pessoas falarem de um álbum. E também tenho alguma dificuldade em lembrar-me de bandas que assinalem uma efeméride deste tipo. Mas aguardo que me corrijam, se for caso disso.
Para todos os efeitos, é um álbum inesquecível. É como um filme vencedor de um Oscar, bom do início ao fim. Se nesses filmes, há diálogos que, consoante o enquadramento, são reproduzidos por um dos elementos de um casal, ou por um grupo de amigos, quiçá por um director executivo de uma multinacional, em Achtung Baby surge um conhecimento quase perfeito de cada música, do seu nome e do seu som, da sua letra e da primeira vez em que foi ouvida, com quem e em que estação de rádio.
Achtung Baby apresenta a dúzia mais perfeita de tudo o que conheço. Se pudesse, Os Dez Mandamentos eram substituídos por estas 12 Faixas e não se falava mais nisso.
Porque Achtung Baby é irrepetível! E o que me importa essa inevitabilidade se sei que a genialidade passou por ali?!

1 comment:

Cilene said...

É bom ler que te dedicas novamente à escrita, e que escrita!!
Não conheço o album dos U2, talvez conheça algumas músicas...mas a minha memória falha-me sempre nestas alturas!.. Deixo aqui o meu pobre comentário mas com forte incentivo para que escrevas e partilhes mais e mais :)