Friday, January 05, 2007

O Caleidoscópio

José e Manuela passeavam várias vezes no jardim do Campo Grande, já lá vão 30 anos. Nessa altura, os boatos de que os jardins são para os velhos não tinham eco, nem sequer existiam.
Existia sim, além de jovens casais que aproveitavam aquele espaço verde para passear ou para navegar naqueles pequenos barcos a remos, uns carros a pedais que davam voltas e voltas ao jardim, ininterruptamente, conduzidos por crianças que, mesmo tendo cara de miúdos, já eram muito rodadas naquelas andanças.
Pedalavam o mais que podiam, com os joelhos quase sempre a bater um no outro, como que vindos dos ressaltos no tecto do veículo, presas ao volante com toda a determinação que tinham. E quando precisavam de travar, lançavam-se àquela alavanca do seu lado direito e puxavam-na com toda a pujança que possuíam.
Passavam pelo Centro Comercial Caleidoscópio, estrategicamente colocado à beira lago, e ficavam quase desclassificados, pois distraíam-se a procurar se o Bambi ainda estaria em exibição no cinema situado no piso de baixo daquele espaço comercial.
José e Manuela iam caminhando, felizes pela paz que lhes conferia o amor que sentiam um pelo outro, comentando aquela agitação que os encantava, planeando levar, um dia, os seus filhos àquele espaço tranquilo da sua cidade natal.
Estavam ainda longe de pensar descobrir tamanho encantamento até ao dia em que visitaram Paris e o Museu do Brinquedo e das Novas Tecnologias. Lá, espreitaram deliciados através de um caleidoscópio e viram muito mais do que a imaginação lhes permitia. Muito mais do que os simples espelhos inclinados, paralelos a uma determinada direcção, com os seus pequenos fragmentos de vidro colorido.
Chegaram a ver o filho que ainda não tinham a pedalar esbaforido naqueles carros a pedais. Conseguiram ver o lago do Campo Grande a ser transportado junto com o Centro Comercial Caleidoscópio para debaixo da Torre Eiffel. E à sua volta, tornando ainda mais viva aquela obra de Gustav, viram raparigas a fugir racionalmente dentro dos carros, enquanto os rapazes pedalavam emocional e incessantemente atrás delas, na cidade luz, mas também do amor e dos sonhos.

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