Tuesday, October 16, 2007

Outono

Hoje é Outono e estão todos juntos, de novo no mesmo dia, como há 10 anos. Há uma década atrás, o Outono marcava o início das aulas de alguns petizes. Já para os mais velhos, estudantes universitários, aquela estação do ano delimitava os seus períodos de férias, sem que sequer olhassem para os horários que teriam na faculdade.
Num ano, chegaram a Santa Apolónia (que também é uma estação) num dos primeiros dias de Outono. Sobre os carris, repousavam folhas de árvore amarelecidas e manchas de água-pé que algum garrafão de revestimento branco deixara escapar. Por perto, assavam-se castanhas no átrio central do apeadeiro e vislumbrava-se a boina do assador de castanhas, mais castanha do que os troncos de árvore encarquilhados.
No ano seguinte, exactamente no mesmo dia em que haviam chegado, decidiram partir. Esqueceram-se, propositadamente, da rentrée política, ignoraram Fátima e as suas procissões, desprezaram os jogos de futebol da Liga dos Campeões, recusaram-se a comprar cadernos novos e aproveitaram o estado dos seus orçamentos para viajar, em vez de ficarem a fazer contas ao Orçamento de Estado.
6x3=18… 18… 18 é… uma dúzia e meia… uma dúzia e meia é… é melhor fazerem as contas!
Apesar de a época ser propícia e fértil para determinados frutos, não levaram marmelos porque o que lhes interessava era o produto final e, para marmelos, já bastava cada um deles. Dióspiros também ficaram para trás, porque se desfaziam.
“Mas leva só uma caixa de Benuron, meu filho…”
Como gripes e constipações são para os mais velhos, só um cumpriu o desejo da mãe.
No meio de um dia curto e de uma noite longa em terra de fiordes, lá se foi a lembrança do Benuron, a mudança de hora a que, pomposamente, se chama fuso horário, a apropriada foto a preto e branco para condizer com o Outono, a nostalgia e o frio e o vento.
Era Outono, e ora toca de abrir uma garrafa de vinho, ali mesmo na estação (de comboios, claro está), abrir as latas de atum, arremessar os chapéus-de-chuva para qualquer lado e comprar umas castanhas assadas. Sim, por lá também se vendiam castanhas assadas.
Um dos amigos olhou para uma delas, por sinal mais castanha do que qualquer outra castanha e acariciou-a. Não, não era mais castanha por ser da cor castanha, era mais castanha mesmo castanha, uma castanha mulher, pura, lisa, de pele macia e imaculada, que o rapaz considerou perfeita para guardar como recordação.
Outro dos jovens disse ter nas suas mãos uma castanha redonda e despida, como uma bola de futebol bem velha, descosida, com a sua câmara-de-ar a pedir liberdade ao mundo.
Outro houve que pegou na sua castanha aberta, qual pala sobre o olho sem olhar para o mundo, um Camões feminino, um poeta transformado em fruto para assar ou cozer.
Depois, rindo-se todos dos seus disparates, brindaram às vindimas que se processavam lá longe, em Portugal, fizeram um tchin-tchin ao Outono, às suas ainda férias e… ao sol. Porque poderia ser Verão sempre que eles quisessem!

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